Guerra comercial entre Estados Unidos e China traz incertezas ao agronegócio brasileiro

Dos setores produtivos do Brasil que podem se beneficiar, como grãos, fibras e proteína animal, a melhor expectativa é para a soja, que no curto prazo pode ter aumento dos embarques e prêmio pelo grão brasileiro em relação ao produto americano

A guerra comercial entre Estados Unidos e China traz riscos e oportunidades ao agronegócio brasileiro. A decisão de Pequim de revidar as sobretaxas impostas pelo governo Donald Trump, elevando impostos de importação de produtos agropecuários, parece abrir espaço ao Brasil, um dos líderes globais de produção no campo, mas não há consenso entre especialistas sobre se os efeitos, no final, serão positivos ou negativos para as áreas de grãos, fibras e proteína animal. Soja, milho, carnes suína e bovina e algodão estão entre os produtos para os quais a China adotou barreiras tarifárias contra os Estados Unidos, revidando os golpes da Casa Branca.

Item do agronegócio de maior peso e  que mais movimenta as importações da China (tanto do Brasil quanto dos Estados Unidos), a soja surge como o principal ponto de discussão. Nos últimos 10 anos, os chineses aumentaram em 4,5 vezes as compras de soja brasileira, para 53,79 milhões de toneladas, 79% de todo o grão embarcado pelo país para o exterior.

Dos Estados Unidos, a China comprou cerca de 33 milhões de toneladas em 2017, mas agora há sobretaxa de 25% sobre o grão americano. Ao menos no curtíssimo prazo, há espaço para ampliarmos os embarques para o gigante asiático, além de um prêmio pelo grão brasileiro em relação ao americano.

O analista de grãos do Rabobank Victor Ikeda estima que, neste ano, o Brasil deve exportar cerca de 72 milhões de toneladas de soja, sendo até 75% deste volume para a China. Como as compras dos Estados Unidos têm pico a partir de setembro, início da colheita por lá, é quando o mercado deve começar a sentir mais os efeitos da declaração de guerra. Mesmo assim, o que o Brasil poderia embarcar de adicional para a China seria cerca de 4 milhões de toneladas.

“Outros países vão acabar buscando mais soja nos Estados Unidos, mas a China continuará a depender também dos americanos. Caso este cenário se mantenha, a área de soja nos Estados Unidos pode diminuir e aumentar a do Brasil”, avalia Ikeda.

O gerente de economia da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Furlan Amaral, também entende que, no curto prazo, o maior benefício é o prêmio pago pela soja brasileira – também positivamente impactada pelo dólar mais alto – em relação à americana.

“Boa parte dos contratos de exportação já foram firmados e é difícil aumentar embarques no curto prazo. Pode ser usado parte do que está no estoque de passagem, com trades ou indústrias. Mas não há muito espaço. Projetávamos estoque de passagem de 5,9 milhões de toneladas, e agora, 5 milhões de toneladas. Não é alto”, observa Amaral.

Como o cenário é complexo, projetar o que pode acontecer no próximo ano é arriscado, entende o economista da Abiove. Se a crise persistir, o melhor seria que a relação com a China se qualificasse, e não ficasse limitada a soja em grão, diz Amaral.

Impacto maior no curto prazo

A possibilidade de os Estados Unidos reduzirem a área de soja, abrindo espaço para o Brasil, é incerta, diz ele. Para Amaral, dificilmente os agricultores americanos – que votaram em massa em Trump – assistirão pacificamente à guerra comercial travada pela Casa Branca colidir com seus interesses. Assim, os Estados Unidos podem subsidiar os produtores locais ou mesmo forçar sua soja em outros mercados, especula.

O diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Cornacchioni, é mais pessimista. Pondera que o Brasil até pode aproveitar “uma janela curta e estreita” em um primeiro momento, mas os efeitos de uma guerra comercial entre os dois países mais ricos do planeta será prejudicial para o mundo ao longo do tempo: “Se olharmos do ponto de vista da sustentabilidade dos negócios, isso é algo que desestabiliza o comércio exterior no mundo todo. Podemos até vender um pouco mais agora, mas não compensa lá na frente. Não é bom para ninguém.”

Até porque, lembra ele, mesmo sem as sobretaxas, as projeções já indicavam que o Brasil ampliaria as exportações para a China nas próximas décadas. O cenário embaralhado também leva a ser cogitada a possibilidade de o Brasil exportar mais soja para a China e o país acabar importando o grão americano, mais barato, para uso interno.

Em outros produtos agrícolas pode haver impacto, mas mais reduzido. Segundo Ikeda, do Rabobank, no caso do milho a China tem estoques confortáveis. Pode haver ainda uma oportunidade para o algodão. O país asiático conta com volumes que aguentariam um ano de consumo, mas é uma fibra de qualidade inferior e, por isso, seria necessário comprar de outros países, como do Brasil e da Austrália, já que, dos Estados Unidos, também passou a vigorar sobretaxa de 25%.

Setor de proteína animal brasileiro mostra ceticismo

As exportações brasileiras de carne bovina, suína e de frango para a China crescem nos últimos anos, mas não há grande entusiasmo com a possibilidade de vir a vender mais com a proteína animal americana sobretaxada. No primeiro semestre deste ano, os chineses abocanharam um quarto de todos os embarques do setor de suínos do Brasil. Até 2015, não chegava a 1%. No caso do frango, a fatia passou de 5,5%, em 2013, para 13,3%, nos seis primeiros meses deste ano.

O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, avalia que, na prática, está difícil de o Brasil ocupar esse espaço. Apesar de a China acenar para o país como um aliado e fonte de segurança no fornecimento de alimentos, o tratamento, na hora de agir, tem sido diferente. A contradição, relata o dirigente, aparece por exemplo na decisão chinesa que estabeleceu, desde junho, taxas antidumping que vão de 18% a 38% para o frango brasileiro. A medida, por enquanto, é provisória, e uma decisão final será tomada em agosto.

“Fazem declarações de amor dizendo que o Brasil é um grande parceiro, mas o comportamento é estranho. Teremos de brigar na Organização Mundial do Comércio, porque não praticamos nenhum dumping”, ressalta Turra, referindo-se à prática de concorrência considerada desleal, quando as exportações ocorrem, em tese, a preços abaixo do mercado.

Turra diz desconfiar que a disputa acabe mais no discurso do que na prática. Como exemplo, cita a iniciativa do México de sobretaxar a carne suína americana em 20%, decisão que foi entendida como oportunidade para o produto brasileiro. Apesar das promessas, essa possível vantagem encontra dificuldade para se concretizar, afirma o dirigente. A escalada do protecionismo, na maior parte das vezes pela gritaria de produtores locais, vem preocupando o setor.

O analista Paulo Molinari, da Safras & Mercado, avalia que o impacto direto das sobretaxas chinesas às carnes americanas é reduzido. O Brasil teria poucas vantagens a partir da medida.

“O efeito é pequeno, um pouco mais na carne suína, onde a China compra mais dos Estados Unidos. Nas outras, o volume é menor”, conta Molinari.

Para o especialista, o resultado da disputa entre as duas potências tende a ser negativo. Os efeitos da guerra comercial podem ser sentidos pelas economias das duas nações pela redução do fluxo de comércio dos países de maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo, respingando em outras nações e abalando toda a economia global.

Segundo Turra, não há temor de que um possível aumento nas exportações de soja torne mais escasso o farelo no mercado interno e afete o setor de rações para aves e suínos. Ele lembra que, em regra, apenas 20% é farelo de soja, que também pode ser substituído por outros cereais, como trigo. Em último caso, também é possível importar farelo da Argentina.

A escalada da tensão comercial mundial

Ao chegar ao poder, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elevou o tom contra a China, reclamando do déficit comercial.

O mandatário da Casa Branca acusa ainda os asiáticos de roubarem propriedade intelectual norte-americana, principalmente na área de tecnologia. As ameaças eram feitas desde a campanha.

Os Estados Unidos anunciaram, em março, tarifas extras de 25% para o aço e 10% para o alumínio.

A intenção era atingir principalmente a China, mas abrangia outros países. No total, cerca de 1,3 mil produtos chineses são afetados, chegando ao valor de US$ 50 bilhões.

A China deu o troco. Em abril, confirmou tarifas adicionais de 25% sobre 128 produtos, como carnes, soja, produtos químicos, carros e aviões.

No início de julho, o governo americano adicionou novas tarifas de 25% sobre produtos que somavam US$ 34 bilhões em exportações chinesas para os Estados Unidos. Alcançava 818 itens.

No início de julho, os EUA confirmaram taxação extra de 10% sobre US$ 200 bilhões em outros produtos chineses.

Pequim afirmou que vai retaliar e apelar à Organização Mundial do Comércio (OMC) para que reaja às práticas protecionistas de Trump.

 

Fonte: GaúchaZH

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